sexta-feira, 21 de outubro de 2011

textos


Texto  – Maria Helena Matarazo

Paixões arrasadoras, com "P" maiúsculo, daquelas para valer, são raras: uma, duas, três durante toda a vida. Em geral, dá para contar nos dedos. Não estou falando de minipaixões - aquelas que duram um dia, uma semana, um mês, nem de paixões vividas à distância, que podem durar anos. Estou me referindo às paixões clássicas, irresistíveis, avassaladoras, que colocam a vida de pernas para o ar e nos fazem perder o rumo de casa.
Se dependesse da nossa vontade, é claro que a paixão jamais acabaria. Mas estudos científicos mostram que esse tipo de envolvimento, quando vivido realmente (e não apenas sonhado), dura de dezoito a trinta meses. Ou seja, em média dois anos.
Como a vida pode fazer uma brincadeira dessas? Leva-nos ao Paraíso, transporta-nos ao melhor dos mundos e, em poucos meses - para os amantes, sempre um prazo insuportavelmente curto -, joga-os de volta à realidade.
Pensando bem, a natureza é sábia. Nenhum ser humano suportaria por tempo indefinido esse clima de constante expectativa, de enorme antecipação, de incontrolável excitação e de total incerteza que toma conta dos apaixonados. Assim, com o passar das semanas, o estado de graça que caracteriza a paixão começa a se alterar. Os sentimentos, pouco a pouco, vão assumindo outros contornos e novas possibilidades se abrem diante dos amantes.
Mas esta já é outra etapa da nossa história. Vamos tentar compreender o perigoso e fascinante campo da paixão.
Visto de permanência no Paraíso é sempre por tempo limitado
Duas pessoas se cruzam numa esquina da vida, uma vai se chegando, se acercando da outra, até que, depois de um período de aproximações sucessivas, tudo parece possível. A partir daí, o outro, que era inatingível, torna-se atingível, o que era intocável torna-se tocável. Entramos numa atmosfera em que o sonho vira realidade e a realidade vira sonho.
Sentimentos têm história. Por isso, os dois falam de suas vidas horas sem fim, durante dias, semanas ou meses. Na verdade, estão partilhando suas experiências, tornando-as comuns. Assim, os enamorados reconstituem a própria existência, tecendo-a em conjunto. É como se cada um redescobrisse sua identidade à medida que se revela para o outro.
Quem melhor descreveu esse estado de amor nascente foi o sociólogo italiano Francesco Alberoni. Ele explica que, mesmo sendo necessário um grande esforço e bastante tempo para ser descoberto pelo outro, parece não haver lógica entre o que se fez e o que de fato aconteceu. Sempre foi mais, foi além.
No estágio inicial do amor, a pessoa amada é vista como única, singular e incomparável. Isso porque o enamorado concentra todos os seus sonhos no outro e reencontra nele todos os amores do passado (pai, mãe, amigo, amante). Nessa hora, você entrevê o Paraíso, e isso não é pouco.
É fácil reconhecer a fase do amor nascente. Você provavelmente já viveu a experiência: transfigurou a realidade, dissociou-se dela, idealizou loucamente o parceiro. Nesse momento, todos nós conhecemos esperanças sem limites e medos avassaladores; mergulhamos em certeza inegáveis ("Estou vendo com os meus olhos, sentindo na minha pele…") e incertezas negáveis ("Será que estou só imaginando, será que estou apenas materializando meu desejo?").
Segue-se então um período de deslumbramento em que ambos ficam cegos pela impulsão de serem felizes - é a sensação do "eu mereço". Porém, não existe visto de permanência por tempo ilimitado no Paraíso. O visto é sempre de trânsito. A vida pergunta qual é a finalidade da viagem: turismo, negócios, lazer? Um congresso de sexo e amor? E carimba no passaporte: três dias, uma semana, um mês. Três meses, com direito a renovação. Findo o prazo, temos de fazer as malas e voltar para a realidade.
Sabemos quando estamos delirando, mas sabemos também que não podemos viver em estado permanente de delírio. Então, o que fazer? Cronometrar os dias, as horas, os minutos? Fazer contagem regressiva?
Não se deve medir o tempo em que se ama. Só o tempo cronológico pode ser cravado, cronometrado. O tempo subjetivo, não. Todos nós temos um relógio interno que nos diz quanto amamos e com que intensidade.
Quanto vale uma noite de prazer absoluto? Quanto tempo duram ou ficam gravados em nossa mente um olhar, uma carícia?
Encontros, músicas, ruídos, gestos de ternura, pedaços de conversa, essas coisas não se medem, não têm preço.
Quando a pessoa desperta desse estado onírico da paixão, o que acontece é que a paixão termina, e isso, em geral, provoca a morte da relação, ou então uma metamorfose.
O fim do deslumbramento abre espaço para que o amor renasça com outra cara. A fase da paixão estonteante deve ser vista como uma etapa de um processo que continua.

Depois que os amantes voltam a colocar os pés no chão, surge a possibilidade da formação do vínculo amoroso, e a importância desse vínculo vai depender da quantidade e qualidade das trocas que os parceiros forem capazes de estabelecer.










Nenhum comentário: