segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A outra história do descobrimento do Brasil

A outra história do descobrimento do Brasil

" E assim seguimos o nosso caminho por este mar até que na terça-feira das Oitavas de Páscoa - eram os vinte e um dia de abril - topamos com alguns sinais de terra. no dia seguinte, à hora de vésperas, avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; depois, outras serras mais baixas e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à terra, Terra de Vera Cruz."

Este é um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, na qual o escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral narra a chegada dos portugueses à costa sul da Bahia, em abril de 1500. Na escola, estudamos este acontecimento como sendo o "descobrimento do Brasil". Mas a terra descoberta já não era habitada pelos índios? É possível descobrir um lugar onde já existem pessoas vivendo?
Parece absurdo, mas é isso o que aprendemos na escola: os portugueses descobriram o Brasil, onde já viviam os índios. Ficamos tão acostumados a pensar assim, que não perguntamos como isso é possível. Os historiadores também não costumavam fazer essa pergunta. Sabiam que os índios viviam aqui antes da chegada de Cabral, mas falavam do descobrimento como se o Brasil fosse uma terra virgem. Será possível que um lugar já habitado possa ser virgem, isto é, intocado?
Bem, só se ele não for habitado por pessoas. Quando falamos em floresta virgem, por exemplo, não estamos dizendo que ela não é habitada por animais, mas, sim, que ela não foi alterada pelo homem. Quando afirmamos que "essas terras virgens foram descobertas por Cabral", estamos tratando seus habitantes originais, os índios, como se eles não fossem pessoas, mas, sim, parte da paisagem natural.
A palavra 'descobrimento', portanto, está no lugar de outro termo que não costumamos utilizar: 'conquista'. Na verdade, as terras que viriam a ser o território do Brasil não foram descobertas, mas conquistadas pelos portugueses aos povos indígenas.

O litoral na época da conquista

Quando os europeus chegaram à costa brasileira, encontraram diversos grupos indígenas, cujos costumes e línguas eram muito parecidos. No conjunto, esses grupos ficaram conhecidos como tupi-guarani, embora possamos distinguir dois grandes blocos: os tupi, que dominavam o litoral desde o sul do estado de São Paulo até, pelo menos, o Ceará; e os guarani, que viviam mais ao sul, na bacia dos rios Paraná-Paraguai e em nossa costa meridional.
Não se deve pensar, porém que os tupi e os guarani formavam, cada qual, uma grande nação. Ao contrário, eles estavam divididos em diferentes grupos, geralmente inimigos entre si. E os europeus souberam bem se aproveitar das brigas internas dos tupi-guarani, unindo-se a alguns grupos para atacar outros. A aliança entre brancos e índios dava-se pela oferta de presentes (como machados de metal, facas, espelhos, tecidos trocados por farinha, caça, filhotes de animais e madeira), pela participação comum em atividades de guerra e pelo casamento de índias com brancos.
Muitas vezes, os conquistadores estimulavam a inimizade entre os índios para dominar o território com mais facilidade. Mesmo quando os tupi conseguiam reunir um número considerável de aldeias para atacar áreas sob domínio português, tinham de enfrentar índios fiéis aos colonizadores. Assim, embora fossem maioria, os índios acabaram sendo derrotados.
Não foi só como parceiros na guerra e na troca que os europeus encontraram um lugar no mundo indígena. Talvez porque chegassem pelo mar, em grandes navios, trazendo objetos desconhecidos, como armas de fogo e ferramentas de metal, os tupi associaram os europeus a seus grandes pajés, que andavam de aldeia em aldeia, curando, profetizando e falando de uma terra de abundância. esses pajés eram chamados pelos tupi de Caraíba e os europeus ficaram conhecidos por esse nome. Até hoje, muitos grupos indígenas chamam os não-índios de Caraíba.
   os jesuítas - padres enviados no Brasil com a missão de convencer os índios a se tornarem  católicos - aproveitaram-se dessa associação do europeu com os grandes pajés nativos, para facilitar seu trabalho. O discurso e as práticas dos padres, como José de Anchieta, concorriam com os dos pajés. Muitos grupos indígenas foram convencidos a obrigar-se nos aldeamentos jesuítas sob a proteção espiritual dos padres como dos soldados portugueses.
Esse medo tinha razão de existir. Alguns autores estimam que havia cerca de um milhão de índios na costa brasileira, em 1500. Um século depois, essa população havia praticamente desaparecido. A maior parte morreu nas guerras de conquista, por maus-tratos e pelas doenças trazidos pelos conquistadores.

O despovoamento do Brasil

Nem todos os habitantes da costa morreram . Muitos fugiram para o interior; este, porém,  já estava povoado. Tanto a Amazônia, como o Brasil Central estavam ocupados por diversos grupos indígenas, a maioria deles com costumes e línguas muito diferentes dos tupi. Essa fuga para o interior provocou uma reação em cadeia (como quando derrubamos peças de dominó enfileiradas). Ao invadir os territórios de outros povos, os tupi transmitiam as novas doenças adquiridas no contato com os europeus.
Os portugueses, por sua vez, passaram a buscar escravos cada vez mais longe da costa. As famosas bandeiras paulistas e os bandeirantes são os representantes mais conhecidos desse processo de colonização violenta do interior, que levou não ao povoamento do Brasil, como se costuma dizer, mas o seu despovoamento, matando e escravizando dezenas de milhares de índios.
As expedições de escravização de índios eram especialmente importantes para as regiões menos articuladas ao comércio atlântico, às grandes plantações de cana-de-açúcar e ao tráfico de escravos negros. este era o caso de São Paulo e, principalmente, da Amazônia. Eles participavam das expedições de "descimento" de índios, uma iniciativa conjunta do governo local, dos colonos e de religiosos. O objetivo era convencer os índios que viviam no alto curso dos rios a se transferirem para aldeias localizadas nas proximidades dos estabelecimentos portugueses (isto é, convencê-los a descerem os rios, daí a expressão 'descimento'). Essas aldeias eram administradas pelos missionários e funcionavam como reserva de mão-de-obra, sempre cobiçada pelos colonos.
Este deslocamento de populações inteiras destruiu os sistemas sociais indígenas e contribuiu para o despovoamento do país.  nas missões ou nas lavouras, catequizados ou escravizados,k os índios tornavam-se presas fáceis de doenças, como a varíola, o sarampo e a gripe.
O pior é que as mortes causadas pelas doenças serviam de combustível às expedições de escravização. Criava-se um círculo vicioso: a falta de mão-de-obra indígena nas imediações das vilas aumentava as ações de escravização no interior; a escravização expunha cada vez mais as populações indígenas às epidemias; com as epidemias, tornava-se necessário a realização de novas expedições no interior. Foi assim que o Brasil foi sendo despovoado. Ali, onde havia uma população indígena numerosa foram-se criando vazios populacionais, territórios livres para serem ocupados pelos colonizadores. 
Mas não pense que isto tudo é passado. Ainda hoje, os cerca de 300 mil índios vivendo no Brasil têm de lutar para garantir a posse de suas terras contra a invasão de madeireiros, fazendeiros e garimpeiros - estes colonizadores dos nossos dias, que descobriram novos métodos para retirar os índios de suas terras e as riquezas que nelas existem..
Fonte: Revist6a Ciência Hoje - Abril de 2000.

Nenhum comentário: